Abstenção – Que razões a norteiam?

Com dois actos eleitorais de suma importância a aproximarem-se a passos largos, importante é debruçarmo-nos sobre uma questão: a abstenção.

O não exercício do direito de voto tem sido a opção de um número crescente de portugueses e dos açorianos em particular.

 

A SABER Açores procurou saber se esta é uma tendência de alguma faixa etária em específico, como alguns fazem crer, ou se haverá alguma justificação do foro sociológico.

 

Para os mais velhos a culpa da abstenção é, não raras vezes, imputada aos jovens, motivo pelo qual neste trabalho contactamos os líderes das duas juventudes partidárias com maior expressão nos Açores.

 

Álvaro Borralho, docente da Universidade dos Açores e sociólogo, ajudou-nos a perceber que razões do foro social poderiam estar associadas à abstenção. Questionado quanto à realidade dos Açores em específico, o nosso interlocutor não hesita em considerar que “… as razões que se podem apontar são de ordem social e essa interpretação do social pelo social é que é a base da Sociologia. A abstenção é o reflexo de um processo de erosão da participação política para o qual contribuem diversas razões e não uma apenas. Aliás, basta ver os resultados das últimas eleições regionais (2008) para se ter uma percepção disto: a abstenção eleitoral da Região (média) foi de 53,2%, mas ela foi de 57,1% em S. Miguel e atingiu os 70,7% numa freguesia desta ilha. Quer isto dizer, que ela varia em função do contexto social em que se verifica e, em meu entender, o que é mais relevante, embora não exclusivo, são as competências sociais possibilitadas pela socialização, em especial, as competências escolares, como já havíamos registado em estudo acerca da participação social e política das mulheres na região, que nos deu, apesar das limitações e do facto de só atender à participação feminina, um retrato muito fiel da abstenção eleitoral.

 

 Além de que as razões da não participação podem ser vistas, justamente, interrogando as razões da participação…”.

 

Para Álvaro Borralho o nível de escolaridade das populações também desempenha aqui um papel importante, salientando que “…a abstenção eleitoral, como forma primeira da participação política, é fortemente condicionada pela posse de competências escolares elevadas.

 Não é indiferente um eleitor deter competências escolares ao nível do ensino básico do 1.º ciclo (antiga 4.ª classe) ou possuir formação escolar ao nível do ensino superior. Aliás, se há característica que diferenciam fortemente os portugueses, como vários estudos sociológicos em diversas áreas o têm demonstrado, são, justamente, as qualificações escolares. Quer isto dizer, que quanto maior for a escolaridade, maior é a probabilidade de encontrarmos um cidadão que participa politicamente, ou seja, lê jornais, acompanha a actividade, debate política, toma posição, em suma, participa e interessa-se. E isto entende-se, a actividade política é complexa e assume graus de complexidade técnica cada vez maiores, cujo entendimento está mais facilitado àqueles que estudaram mais. E se se quiser um exemplo mais empírico, olhe-se, sobretudo, aqueles que estão no extremo oposto dos que não participam, isto é, os que têm elevados níveis de participação, a classe política. Veja-se as suas trajectórias e os seus percursos e há um denominador comum que não escapa a nenhum sociólogo: um percurso escolar que terminou, quase sempre, no ensino superior…”.

 

O facto de a democracia portuguesa ser, ainda, uma democracia relativamente jovem é também um elemento que merece a atenção do sociólogo. “…Por outro lado, a nossa experiência democrática é ainda curta quando comparada com a de outras países. Vivemos uma situação autocrática que marcou gerações, gerações estas que irão continuar a marcar as seguintes, cujo princípio organizativo da vida política era, justamente, despolitizar a sociedade e até lançar um anátema sobre a política como se fosse qualquer coisa de errado e mau e cujos efeitos ainda hoje se sentem…” refere Álvaro Borralho.

 

 JOVENS PARTICIPATIVOS

 

Tentámos perceber se a faixa etária teria aqui um papel de relevo, pois para muitos são os jovens os que menos se interessam pela vida política.

 

Berto Messias, presidente da JS Açores, refuta por completo esta noção, ressalvando que “…julgo que é injusto apontar o dedo apenas aos jovens. Infelizmente a abstenção e algum afastamento dos processos políticos e partidários é um problema transversal a toda a sociedade. Não é aceitável que essa responsabilidade seja imputada apenas aos jovens, pelo contrário. Por exemplo, se uma criança, adolescente ou jovem não tem um bom exemplo ao nível da participação cívica ou do exercício de cidadania dos mais velhos com quem convive, certamente não se sentirá motivado para participar. Em boa verdade, parece-me que os Jovens não estão alheados da participação e do Exercício de Cidadania. Devido ao Mundo Globalizado em que vivemos, as ocupações, distracções e motivações da Juventude dos nossos dias são muitas e variadas…”, acrescentando que “…é importante perceber que afastamento não é sinónimo de alheamento. Os jovens estão atentos, percebem perfeitamente o ordenamento e o quadro institucional em que vivemos e têm perfeita noção dos direitos e deveres enquadrados no sistema político que rege a vivência da nossa sociedade democrática, não tenho dúvida disso. Julgo  é que precisam de novos paradigmas e novas motivações para exercerem o seu direito de voto…”.

 

O Presidente da JSD Açores, Cláudio Almeida por seu turno considera que “…não está provado que as elevadas percentagens de abstenção tenham origem apenas nos jovens eleitores. Existem estudos que apontam no sentido de que a abstenção eleitoral também é influenciada negativamente pelo baixo nível de rendimento das pessoas, embora isso não ocorra de uma forma directa.

Isto é: as dificuldades financeiras porque passa uma boa parte da população, que estão relacionadas com a dimensão do agregado familiar, com a falta de emprego e com as poucas perspectivas de um futuro melhor, e aqui se incluem muitos jovens, fazem reduzir a participação cívica e o envolvimento dessas pessoas na vida das suas comunidades, acabando por afastar os estímulos à sua participação política. E isso traduz-se, em última instância, numa abstenção eleitoral. Por outro lado, julgo que a falta de confiança na actuação de algumas instituições públicas também faz elevar os níveis de abstenção. Em muitas situações conhecidas, ficamos com a sensação de que não há responsabilização das figuras com responsabilidades na hierarquia do Estado, e isso desacredita as instituições…”.

 

O jovem social-democrata considera que aqui o descrédito na acção política poderá também ter o seu papel, salientando que “… todos esses factores, a par de promessas eleitorais que não são cumpridas, acabam por deixar a convicção que o voto não terá influência na alteração da situação. Mesmo assim, há quem interprete a abstenção eleitoral como um sinal de aceitação da situação política e do regular funcionamento das instituições, ou seja de que se as pessoas não vão votar é porque não sentem necessidade de alterações…”, esclarecendo que no seu entender “…esta perspectiva deve ser entendida quando resultante de uma situação em que a generalidade dos eleitores estão em igualdade de circunstancias. E isso só ocorreria se os cidadãos não fossem influenciados pelas situações negativas, como referi, que funcionam como uma desmotivação ao exercício do seu direito de voto. Logo, não existindo igual possibilidade de influenciar os resultados eleitorais pelo voto, esta abstenção não pode ser interpretada como uma aceitação da situação vigente. Pelo contrário, indica ser um sinal de descontentamento das populações que deve criar desconforto aos governos e aos partidos políticos…”.

 

Berto Messias centra as suas atenções no que poderá reverter toda esta situação afirmando que “… algumas questões poderiam contribuir para a diminuição desse afastamento que refere, por exemplo os agentes políticos têm de ter uma mensagem mais simplificada e que se adapte à normal evolução dos tempos e que chegue às pessoas, as promessas eleitorais devem ser intocáveis e efectivamente cumpridas sob pena de haver uma descredibilização generalizada. Além disso julgo que temos dois problemas estruturais na sociedade portuguesa, por um lado temos algumas personagens com responsabilidades políticas que pelo que dizem, pelo que fazem, pelos processos que têm em tribunal e pela ligeireza como encaram essas acusações têm muito mediatismo e envergonham a democracia e desmotivam o mais motivado jovem, por outro lado temos alguma comunicação social que nada ou pouco contribui para o reforço do regime democrático e para a credibilidade das instituições, pela forma como noticia e por aquilo que entende ser o mais importante para noticiar que, normalmente, é o que menos interessa. Paralelamente a isto temos ainda o problema cultural do portuguesismo do contra, está sempre tudo mal e perde-se mais tempo a valorizar o que não se tem e a desvalorizar o que se conseguiu do que o contrário…”.

 

Álvaro Borralho desmistifica a questão etária, justificando que “…as categorias “jovens”, idosos”, “mulheres”, “homens” não assumem grande relevância sociológica neste caso porque há jovens que participam, e alguns muito – veja-se o exemplo daqueles que constituem  as juventudes partidárias –, e há jovens que têm participação nula, não votam sequer. Não é por serem jovens ou homens, ou mulheres, etc., que participam ou não: é porque possuem outras características, para além da idade. Os jovens que mais participam politicamente são, justamente, os mais escolarizados, pelas razões que já apontei acima, demonstrado por vários estudos.

A escola, para além das competências meramente escolares, funciona também como importante agente socializador no sentido de permitir a aquisição de competências de decifração do mundo social envolvente, permitindo aos jovens o entendimento da realidade que os cerca e motivando-os à participação. Claro, haverá abstencionistas, mesmo entre aqueles que possuem competências escolares elevadas, mas são em menor número do que os que não as possuem – e isso não invalida o argumento, antes o reforça – mas essa abstenção, a juvenil, deverá ainda ser vista pelo facto de os jovens receberem influências do seu meio social de origem que a escola não desmembra por completo e porque a noção do “dever” votar, que motivou as gerações mais velhas a votar, hoje não lhes dizer quase nada. Seria necessário adequar uma outra mensagem, mais voltada para a substância do que é o voto – o que significa votar, em concreto – e apelar menos ao dever que é, diga-se em boa verdade, uma noção pobre da participação e do debate políticos, mas reflexo da nossa cultura política…”.

 

SOLUÇÕES

Sendo um problema que carece de resolução, questionámos os nossos interlocutores quanto as medidas que consideravam pertinentes nesta matéria.

 

Álvaro Borralho, salientou que “…A distância ao poder dos portugueses é grande, como também foi já demonstrado em diversos estudos e no caso dos Açores assim também parece ser. O exercício da cidadania parece não acompanhar outras formas de desenvolvimento e a abstenção revela-nos, afinal, a erosão da participação política dos cidadãos. Seria bom entender que a democracia envolve pedagogia permanente e um investimento constante nos cidadãos em termos da sua efectiva participação e que isso não é compaginável com o fechamento do sistema político. Isso e uma mensagem de incentivo à participação efectiva dos cidadãos, que passa também por aqueles que exercem a autoridade política – os políticos – são absolutamente necessários para se chegar a formas de exercício da cidadania mais abrangente. Há pouco falava na questão do dever que aos jovens nada diz, mas é preciso que as iniciativas das pessoas, dos cidadãos, sejam incentivadas e não rotinizadas, nem controladas por aqueles que exercem o poder. Uma cidadania activa só com mais incentivo e participação dos cidadãos…”.

 

Uma opinião que encontra eco nas juventude partidárias questionadas.

 

Cláudio Almeida refere que “…primeiro do que tudo é preciso uma correcta actualização dos cadernos eleitorais, para que possam reflectir os números exactos das pessoas com capacidade eleitoral. Continuam a existir cerca de 650 mil nomes a mais nos cadernos eleitorais, referentes a pessoas que deixaram de residir em Portugal e que por qualquer motivo não actualizaram as suas novas residências nos BI, e de outros que já faleceram e que continuam a figurar como cidadãos eleitores. Há situações descritas onde em alguns concelhos existem mais eleitores do que habitantes. Depois, é preciso facilitar o exercício do direito de voto. Desburocratizar o voto dos estudantes açorianos no continente e implementar um sistema de voto electrónico, que deveria prolongar por mais de um dia o prazo para votar, e que também permitisse aos eleitores votar através da Internet em qualquer local …”.

 

Berto Messias destaca o facto de ser “…possível introduzir algumas questões que contribuam para um aumento das motivações em participar através do voto. A própria vida humana e as prioridades que cada um tem são determinantes nesta equação. Entre um dia com a família na praia e abdicar desse dia para votar, a esmagadora maioria escolhe a primeira opção, mas acredito que é possível ultrapassar estes e outros condicionalismos. Quanto a mim as palavras-chave são proximidade e simplificação o que nos levará a novos métodos e não podemos cair no erro de falar de abstenção e de falta de participação apenas como um acto de contrição pós eleitoral.

 

Essa questão deve estar sempre presente na agenda política de qualquer organização partidária. O voto aos 16 anos, a introdução do voto electrónico, a discussão sobre o voto obrigatório, a simplificação dos processos de votação pode constituir contributos importantes para essa diminuição…”. 

 

 

VOTO OBRIGATÓRIO

 

Na ordem do dia está também a introdução ou não do voto obrigatório, não tendo este tema sido, ainda, alvo de atenta análise questionámos Álvaro Borralho quanto à sua valia, referindo que “…compreende-se a questão, até porque foi colocada na agenda política regional.

Devo alertar que o registo da minha intervenção nesta matéria é como sociólogo e não vou emitir qualquer posição do tipo “concordo” ou “discordo” da proposta, tentando ver o seu alcance no caso de ser adoptada.

Mas debater esta questão é muito pertinente…”.

Neste particular Borralho deixa um alerta salientando que “…como se tentou mostrar, a abstenção eleitoral é um problema concreto, sentido nas eleições, mas é um reflexo, não é o verdadeiro problema. O verdadeiro e derradeiro problema está numa cidadania difusa e nos fracos níveis de participação social e política de largas camadas da população que deviam estar mais motivadas para intervir civicamente. Esse é que é o verdadeiro problema e tornar o voto obrigatório não o resolve. Se fosse adoptado, talvez levasse a uma diminuição conjuntural da abstenção.

No entanto, levantaria um problema: criminalizar-se-ia o comportamento faltoso? Se sim, de que modo? E não é isso, no seu cerne, avesso à própria democracia?

 Não se deve ter medo do debate, mas as questões também têm de ser colocadas…”, acrescentando mesmo que na sua opinião “…o voto obrigatório levantaria mais problemas do que aqueles que resolveria e, pelas razões anteriormente apontadas, não é seguro que a sua obrigatoriedade resolva o problema da abstenção. Aliás, atrevo-me até a ir um pouco mais longe.

Em matéria de voto é preciso ter cuidado com certas inovações, como por exemplo, outra que circula de vez em quando: o voto electrónico. Tem sido visto de uma forma estranhamente redutora, como um simples alargamento dos canais de votação e não é só isso, é bom que se diga. Não vou adiantar muito sobre o assunto, até porque a questão não é essa, mas a adopção de formas de voto electrónico toca, e fortemente, na natureza institucional do voto como elemento de decisão política democrática. Isto não quer dizer que nada se pode fazer, mas é preciso reflectir primeiro e adequar soluções depois…”.

 

Cláudio Almeida mostra-se veementemente contra a noção de voto obrigatório, defendendo que “…Votar é, antes de mais, um direito!

“Não concordo com o voto obrigatório porque isso limita o direito da pessoa não querer votar, e isso é um direito que faz parte das liberdades e garantias dos cidadãos. Também o de não ser obrigado a votar. Julgo que as sugestões que já referi serão suficientemente importantes para incentivar o voto dos cidadãos, alterando a tendência de uma cada vez maior abstenção eleitoral. Não esquecendo também, que é fundamental haver um estudo aprofundado do fenómeno da abstenção, para tentar compreender melhor a situação e identificar novas forma de combate…”.

 

Já Berto Messias exprime uma opinião diferente, afirmando que “…voto obrigatório talvez seja uma expressão muito forte, negativista até. Qualquer obrigação tem tendência a ser vista como má. Julgo que seria mais positivo por as coisas ao contrário, isto é, dar benefícios a quem votar, benefícios de índole fiscal ou laboral, por exemplo, onde quem vota é beneficiado por isso, mas tem um benefício visível e com impacto. Mas apesar disso devo dizer que, apesar de não ter havido ainda um alargado debate sobre este assunto que me parece pertinente e onde seja possível conhecer este tipo de experiência, não me choca que no pacote de obrigações que cada indivíduo tem para com o Estado esteja incluído o dever de votar, de eleger os seus representantes e aqueles que têm a tremenda responsabilidade de gerir os recursos públicos. Esta obrigatoriedade poderia ter o efeito de aumentar a atenção dos cidadãos e, consequentemente, aumentar a exigência aos políticos…”. Indo mais longe, Messias exemplifica “…existem vários países como a Bélgica ou o Brasil onde já é assim. Poderia ser útil e pertinente adoptar esta medida com carácter transitório e como uma forma de acautelar algo fundamental para a nossa estabilidade democrática, ou seja, a credibilidade e a legitimidade das instituições democráticas, dos órgãos de soberania e dos órgãos de governo próprio sob pena de entrarmos em algumas instabilidades sociais que não serão boas para ninguém…”.

 

Comum a todos os nossos interlocutores é que o fenómeno da abstenção carece de uma cuidada análise e estudo, com vista a uma solução.

O debate público e pedagógico poderá ser a via a seguir, sendo que acima de tudo é importante que se consiga uma sociedade mais participativa e informada.

 

 

Revista Saber – por Magda Neto

Fotos: Pedro Borges, D.R.

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