Aldo Naouri – Amor com Regras

aldo-naourAldo Naouri, pediatra há 40 anos, afirma que nunca como hoje foi tão urgente perceber como nos devemos comportar como pais para desempenhar bem a nossa função. E no seu último livro, Educar os Filhos – Uma urgência dos dias que correm, defende o regresso da autoridade à educação das crianças. A GINGKO apanhou-o de passagem por Portugal e conversou com ele sobre os principais erros que os pais modernos tendem a cometer.

 

 

É um pediatra polémico. Por que é que as suas teorias provocam tantas reacções contrárias?

As reacções adversas são apenas 3%. As restantes são de felicitações e agradecimento.

 

Então é a polémica que tem mais eco?

Sim, porque são publicadas nos jornais e nas revistas que têm grande tiragem. Mas no conjunto são poucas. É natural haver reacções adversas, que são a expressão de um movimento que se aproxima de uma espécie de anarquia. Eu não ando, no entanto, em busca da ordem absolutamente rígida. Digo, isso sim, que é fundamental criar um mínimo de organização.

E que é necessário recuperar o lugar da disciplina.

Ora aí está! Isso mesmo.

 

Considera-se um visionário?

Sou simplesmente um pediatra que ao longo de quarenta anos cuidou de crianças e levou os pais a aplicar as ideias que defende, tendo o prazer de ver essas crianças crescer em excelente estado de saúde, física e psíquica. Ter ensinado os pais dos meus pacientes a produzir esse efeito fez com que muitos pais jovens me procurassem com crianças problemáticas, a quem simplesmente apliquei estas teorias de corrente adversa. O simples facto de lhes ter corrigido as ideias, fazendo-os compreender os porquês, fez a diferença entre a ordem e a desordem, embora para os meus colegas de profissão, e até para o público, tenha passado a ideia de alguém que fez um milagre. Felizmente houve médicos que me vieram ver quando perceberam que as coisas estavam resolvidas. Aperceberam-se de que esses jovens pais tinham seguido opções contrárias às suas, que, afinal, não convinham às crianças.

 

O que mudou entre os pais e os filhos nos últimos 40 anos?

As crianças não mudam.

Mas a educação mudou…

Sim, a educação mudou e está a surtir resultados diferentes. E os pais também mudaram. Porque a sociedade mudou, transformando-se numa sociedade de abundância que segue a lógica de consumo, onde é importante consumir e incentivar toda a gente a consumir, porque cada um de nós tem direito a tudo. E a partir do momento que temos direito a tudo, para que havemos de nos esforçar? Dissemos aos pais que as crianças precisavam de fazer coisas que lhes dessem prazer para se sentirem amados. Mudámos a conformação que existia antes, quando os filhos deviam esforçar-se por agradar aos pais. Hoje os pais dizem que os amam e oferecem escolhas múltiplas, condenando o filho a uma posição de juízo muito angustiante porque ainda tem a personalidade em bruto e necessita de orientação para saber em que direcção caminhar e como lutar contra os obstáculos que encontra.

 

Essa abundância de que fala retirou o sentido da vida às nossas crianças?

Sim, podemos dizer isso. Mas temos de dizer que também retirou o sentido da vida aos pais.

 

A nossa sociedade é uma sociedade do prazer. É o prazer como recompensa?

Sim, só que é preciso compreender que é recompensa, que não é de graça. Os jovens pensam que é de graça, e por isso temos de lhes mostrar que só terão o prazer se se esforçarem.

 

Denunciou a existência de uma infantolatria. A sociedade esqueceu os pais?

Colocou os pais ao serviço dos filhos e a isso chamo infantolatria. Esqueceu o lugar dos pais, dessacralizou-o. Como as crianças são postas em primeiro lugar, os pais são desviados para lugar oculto. Não há lugar para o casal, e quando o casal enfraquece passa a haver dois apartamentos, duas frigideiras…

 

É necessário recuperar esse lugar?

Absolutamente. É fundamental dizer que a condição parental é magnífica.

 

Também é necessário reeducar os pais, antes de eles educarem os filhos?

Não. Os pais foram bem educados, mas para educarem os filhos têm de estar de acordo com a educação que receberam. A maioria compreende o ressentimento que tem dos seus pais. Mas precisam de perceber que, independentemente do que façam, estão condenados a ser amados pelos próprios filhos porque são eles que forjam a sua identidade. Mas também estão condenados à ira porque os filhos precisam da ira para se afirmar. Daí a necessidade de os seduzir. A partir do momento em que damos esta explicação aos pais, não precisamos de os educar. Eles sabem como proceder com os filhos. No geral, e em caso de necessidade, os pais entendem qualquer recomendação simples como substituir o slogan “a criança primeiro” por “o casal primeiro”. Se os casais fizerem isto não há necessidade de os educar.

 

No seu entender, o problema surge quando os casais tentam distanciar-se do papel que os seus próprios pais tiveram, quando querem ser diferentes deles.

Sim. Mas a partir do momento em que percebem que eles fizeram o que puderam e que não existem pais perfeitos, e não existem filhos perfeitos, as coisas vão correr muito melhor.

 

Defende que as regras devem ser impostas sem explicação, prevalecendo a hierarquia pais-filhos. Isso não é demasiado ditatorial?

Depende da forma como exprimimos as coisas. Eu não disse exactamente isso. Falei em dar uma ordem sem ter de a explicar. Porquê? Porque a ordem seguida de uma explicação corre o risco de cair perante a justificação. Uma ordem não é ditatorial, mas indica uma relação vertical, que os pais têm lugar acima das crianças. É uma maneira de defender a relação vertical contra a relação horizontal, muito culpabilizante e angustiante para a criança. A relação vertical permite à criança revoltar-se contra os pais. Se agirmos dessa forma, que apelidou de ditatorial, a criança aprenderá que os outros existem e tornar-se-á um democrata. Pelo contrário, se for uma relação horizontal e democrática, a criança ficará com a ideia de que ela é que importa e que os outros não interessam, transformando-se mais tarde num fascista.

 

Mas não é necessário explicar?

Não, não é. As crianças devem encontrar as explicações por si próprias. Se pedem explicações, devemos dá-las. Mas se não pedem, então não há necessidade de explicar.

 

Defende também que as crianças estão educadas aos três anos. Como é isso possível?

É até aos três anos que as crianças aprendem a reprimir impulsos e a aceitar a frustração. Quando se repara no seu olhar nota-se que já tem enorme amor pelos pais. E depois de ter aprendido a reprimir impulsos e a estar frustrada está educada. O resto virá depois.

 

As competências básicas estão adquiridas?

As competências básicas estão adquiridas, a educação básica está adquirida, mas a ambição não é ficar pelo básico. É preciso olhar para a educação básica como um meio. Aos três anos são exactamente como se estivéssemos a fabricar imóveis e já tivéssemos toda a construção mas faltassem a electricidade e os acabamentos. As fundações estão lá, os muros também, mas falta o resto.

 

No seu livro fala de um novo maltratar, um consentimento social que abusa da ternura da mãe. Explique-nos melhor este conceito.

A sociedade investiu muito na mãe. Dizemos às mães que têm todos os direitos: amar, mimar, satisfazer. É um novo maltratar porquê? Porque enquanto a mãe estiver ao serviço do filho não o educa, não é capaz de o reprimir, de lhe ensinar a frustração. Corre o risco de ele permanecer um bebé concentrado em si mesmo, no seu prazer e nos seus benefícios.

 

Então é contra o excesso de amor…

Sim, e a sociedade que o aplaudir está a cometer uma malfeitoria contra a infância. A Convenção Internacional dos Direitos das Crianças diz que o primeiro direito das crianças é a educação. Ora, como se pode educar uma criança quando ao mesmo tempo se aplaude todas as medidas anti-educativas?

 

Mas, não é possível educar com amor?

Claro que sim. Você pode meter açúcar no café. O problema é se meter excesso de açúcar. E hoje o que se diz às mães é: “Metam bastante açúcar”.

 

É o mais novo de dez irmãos, três dos quais morreram. A morte prematura dos seus irmãos influenciou o seu caminho na Medicina?

A Medicina era a única disciplina que me permitia não abandonar os assuntos que me interessavam. Quando andava no liceu uns jovens que não gostavam de Latim, outros de Inglês e outros de Matemática, mas eu gostava de tudo. E gostava tanto de tudo que pensei que podia encontrar na Medicina matérias que satisfizessem a minha curiosidade. A Medicina é um estudo interdisciplinar e creio que a segui por isso. Quanto à morte dos meus irmãos, na época era banal… Acho que não influenciou.

 

Chegou a estar hesitante entre a pediatria e a psicanálise. Por que acabou por escolher a pediatria?

Reflecti muito sobre isso. Quando fiz psicanálise fiquei tão interessado que cheguei a pensar em tornar-me psicanalista. Contudo, ao longo da vida iria seguir apenas 50 ou 60 pessoas, enquanto sendo pediatra veria ao menos quinhentas famílias por ano. Como sou muito curioso e interessado em diferentes áreas, acabei por escolher a pediatria, em vez de me tornar especialista de um só órgão.

 

Escolheu a quantidade.

Não. Escolhi a diversidade. A pediatria é a medicina geral para crianças e temos de ser bons em coração, intestinos, ouvidos, pulmões, etc.. Temos de ser bons em todas as áreas. Escolhi-a para poder abarcar o máximo de áreas. Sou um bulímico do saber.

 

 

 

 

Fonte – Revista Gingko

Texto – Lidia Bulcão

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