Canadá: a história dos deportados não acaba quando saem do país (parte I)

passaporteEm 2006, os jornais canadianos destacaram em primeira página a situação dos emigrantes sem documentos.

Os que já tinham vivido no Canadá sem estatuto de residente permanente – às vezes durante anos – foram deportados para a sua terra de origem. Muitos deles eram açorianos que tinham deixado o arquipélago à procura de uma vida melhor. Na semana passada, uma jornalista luso-canadiana fez o mesmo percurso e chegou a São Miguel à procura de pistas sobre como estes deportados seguiram em frente e conseguiram adaptar-se a realidade açoriana.

 
Debbie Pacheco começou a interessar-se pelo destino dos deportados quando trabalhou com uma organização sem fins lucrativos na comunidade portuguesa, no Canadá. Agora é uma jornalista “freelancer”. Debbie está a acabar um mestrado em comunicação social na Ryerson University em Toronto e a desenvolver um documentário de rádio sobre a integração dos deportados nos Açores.
 
Colaboração no Congresso Nacional Luso-canadiano
 
Debbie Pacheco nasceu no Canadá onde os seus pais – naturais de Fenais de Ajuda em São Miguel – emigraram no final dos anos sessenta.  Cresceu em Little Portugal no meio da comunidade açoriana de Toronto. Antes de se tornar jornalista, a jovem de 32 anos colaborou alguns anos com o Congresso Nacional Luso-Canadiano (CNLC) em várias acções relacionadas com a saúde e a juventude.
 
Foi no período em que trabalhou com o CNLC que a Canadá Border Services Agency começou a deportar os imigrantes sem documentos. O congresso fez pressão sobre o governo canadiano para mudar as suas políticas e, simultaneamente, manifestações de sensibilização foram organizadas na comunidade luso-canadiana.
 
Quem não tinha regularizado o seu estatuto de residente foi alvo de deportação, independentemente da sua nacionalidade. “A maioria das pessoas não estavam completamente ilegais“, explica Debbie Pacheco . “Algumas tinham direito a cidadania canadiana, mas não a pediram porque não sabiam“.
 
Sem família no arquipélago
 
Muitos dos que foram deportados tinham saído dos Açores quando eram muito novos e sem terem criado ligações culturais ou linguísticas com a região e, em alguns casos, perdendo o rasto aos familiares.  Quando chegaram aos Açores, “eles não tinham nenhum sistema de apoio“, diz Debbie Pacheco. “Alguns estiveram no Canadá só um ano, outros 15 anos ou mais, e deixaram um vazio em Toronto. Ficaram para trás familiares e empregos. Alguns eram também voluntários na comunidade“.
 
O estigma dos “repatriados”
 
O retrato dos deportados como criminosos é um estigma que permanece tanto no Canadá como nos Açores, mesmo que, em muitas situações, seja uma visão errada. “Há pessoas que apenas ficaram além do prazo do seu visto de trabalho ou de visitante“, salienta Debbie Pacheco, “e há outras que foram deportadas por terem cometido um crime“.
 
Muitos dos emigrantes sem documentos levavam uma vida normal no Canadá – eles tinham emprego e até compraram a sua própria casa. Embora a maior parte deles não tivessem formação profissional, outros – principalmente na construção civil – eram qualificados. “Muitos trabalhadores na construção civil eram homens portugueses“, explica Debbie Pacheco. A sua deportação gerou uma falta de mão-de-obra tão grande que até o sector da construção civil tentou pressionar o governo canadiano.
 
Deportação continua
 
Quatros anos depois e longe das primeiras páginas dos jornais, emigrantes sem documentos estão ainda a ser deportados. É por isso que Debbie Pacheco está em São Miguel. A jornalista procura dar voz a estes “emigrantes chumbados” e relatar como é que eles conseguiram seguir em frente quando voltaram nos Açores. “Pretendo perceber como era a vida deles no Canadá e como é agora aqui nos Açores, ouvir as suas experiências, ouvir aqueles que conseguiram seguir em frente e aqueles que não conseguiram“.
 
A opinião da população sobre os deportados também faz parte da pesquisa da jornalista.
 
Mais do que um projecto de mestrado, o documentário de Debbie Pacheco pretende sensibilizar os canadianos para a situação dos deportados. “Quero apenas colocar o assunto lá fora outra vez”, diz ela, “e descobrir o que aconteceu quando os deportados voltaram, porque a estória deles não acaba quando saiem do país”.
Kitty Bale, News from the Azores, RTP-A
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