Duas questões intrigavam há décadas os especialistas: podia uma mãe transmitir um cancro ao seu bebé ainda por nascer, através da placenta, como se de um contágio se tratasse? E se assim fosse, como é que as células cancerosas da mãe não eram imediatamente reconhecidas como estranhas pelo sistema imunitário do feto e eliminadas?
O trágico caso de uma japonesa de 28 anos veio demonstrar, pela primeira vez, que uma tal transmissão é possível e resolver o enigma. A mulher, aparentemente saudável, tinha dado à luz uma menina aparentemente saudável. Porém, a mãe acabaria por morrer, um mês e meio após o parto, de uma leucemia aguda. E, passados 11 meses, a menina dava entrada no hospital com um inchaço na bochecha: um linfoma. A criança, hoje com três anos, encontra-se em remissão.
Desde meados do século XIX conhecem-se 17 casos de provável passagem de metástases da mãe para o feto, explicam Takeshi Isoda, da Universidade Médica e Dentária de Tóquio, Mel Greaves, da Universidade de Londres, e colegas, na revista Proceedings of the National Academy of Sciences. Mas agora provou-se, escrevem, “sem qualquer ambiguidade, que o cancro do bebé é de origem materna”.
Os cientistas compararam o perfil genético das células de ambos os cancros e concluíram que eles eram, de facto, idênticos. Mas não houve aqui transmissão para os genes da filha de uma mutação genética responsável pelo cancro da mãe. O que se verificou foi uma transmissão directa das células cancerosas da mãe, durante a gravidez.
Os investigadores quiseram perceber como as células cancerosas tinham conseguido sobreviver e proliferar num outro corpo – e descobriram que, nessas células, um troço de ADN associado à identidade imunitária estava ausente, o que as tornava virtualmente invisíveis para o sistema imunitário da menina.
“Estamos satisfeitos por termos resolvido este velho mistério”, disse Greaves, citado pela BBC News. “Mas queremos deixar claro que este tipo de transferência mãe-filho do cancro é raríssimo e que as hipóteses de uma mulher grávida vir a transmitir um cancro ao seu futuro bebé são muito remotas.” Peter Johnson, médico da Cancer Research UK, citado pelo mesmo site, salientou, por seu lado, tratar-se de “resultados muito importantes, uma vez que confirmam que para crescer o cancro precisa de enganar o sistema imunitário, o que permite esperar que seja possível desenvolver novos tratamentos” para explorar as capacidades de alerta imunitária do organismo humano.