Rabo de Peixe enche-se de pescadores mas maioria da população cumpre confinamento

Foto de Arquivo
Em Rabo de Peixe, a maior comunidade piscatória dos Açores, a população começa a cumprir as regras do confinamento, mas as ruas enchem-se de homens que continuam a ir ao mar.

É a freguesia mais populosa do concelho da Ribeira Grande, na costa norte de São Miguel, e tem uma população muito jovem. Os censos mais recentes, os de 2011, contam 8.866 habitantes, mas o presidente da Junta de Freguesia de Rabo de Peixe, Jaime Vieira, diz que a vila soma já mais de 9.000 pessoas, uma população superior a quatro ilhas (Corvos, Flores, Santa Maria e Graciosa), em grande parte dependente das pescas.

É por isso que, em tempos de confinamento, é junto ao porto de pescas que se encontram as maiores aglomerações de pessoas, todas homens.

As mulheres estão dispersas pela freguesia, a fazer fila junto aos correios, às padarias ou nas mercearias, onde perguntam antes se podem entrar. São as regras a que obriga o surto do novo coronavírus.

Em frente a uma casa de aprestos, Domingos Andrade mete anzóis às linhas que hão de dar de comer a 10 pessoas da sua família, algumas das quais se encontram, nesse momento, no mar.

Está ali porque “o Governo disse que podia trabalhar”, mas os últimos dias têm sido passados a dar justificações: “Como está tudo junto… Dois, três, quatro, cinco ali… A polícia está pouco a pouco ‘vocês vão para casa’. Como é vão para casa? Quem é que vai sustentar a gente? A gente tem de explicar a eles que está a trabalhar. Se não estiver a trabalhar, eles mandam para casa”.

Uma relação que por vezes é conflituosa, confessa, adiantando que “já houve uma briga para aquele lado dali”. Admite, porém, que “a polícia estava no seu direito de mandar as pessoas para casa e o pessoal não quer ir”.

Conflituosa é também a relação entre alguns pescadores e a lota. No porto de pescas, um pescador grita insultos dirigidos ao edifício da lota e acaba por explicar que o problema é o camião que não aparece.

“A lota está trabalhando mal com a gente”, atira, desesperado porque tem uma carga de lulas paradas no cais há uma hora e meia a apanhar sol e precisa que o transporte chegue depressa, para pôr o pescado na lota de Ponta Delgada antes do meio-dia, como ditam as novas regras.

“‘Está’ aí alguns 500 contos. Essa lula toda, está mais de 2.500 euros”, afirma, acrescentando que o atraso do camião acontece “por causa dessa doença que está para aí”.

“Já há um mês que está assim”, lamenta.

A carrinha da lota chega antes que a Lusa consiga saber o seu nome, já que o pescador se apressa a carregar as lulas, para seguirem a tempo para Ponta Delgada.

“Isto está complicando muita coisa. Agora, no lugar de a gente pescar até às 12:30, está a pescar até às 10:00, que é para embarcar, para chegar aqui antes do meio-dia”, explica Fábio Andrade.

O pescador, que trabalha no barco do seu pai com mais dois irmãos e três primos, lamenta que agora, “no lugar de ganhar mais um bocadinho”, se arrecade menos, “porque ‘é’ menos horas”.

Só sai para trabalhar e a sua família, de seis pessoas, está a cumprir o confinamento. Dentro do barco “é cada um nos seus cantos e cada um desinfeta-se”, explica.

Desde sábado passado, as embarcações de pesca de São Miguel só podem acostar ou descarregar no seu porto de armamento, depois de ter sido instituída uma cerca sanitária que restringe a circulação entre os seis concelhos da ilha.

A medida causa constrangimentos, conta Francisco Cabral: “Temos sorte que o vento está aqui da banda de sul. Se amanhã está de norte, a gente se quiser ir para Ponta Delgada já não pode”.

Também em terra a cerca traz incómodos, já que os pescadores “têm de comprar isca todos os dias”. Na segunda-feira, a sua passagem foi barrada.

Mas o maior problema que enfrenta é a quebra na procura e nos preços, conta o dono do barco: “Eu estou à pesca da lagosta agora, tenho vendido lagosta a 50 euros na cidade, que isso é o primeiro mês de lagosta. Penso eu que [agora] não chega a vender a 20 euros”.

Com a quebra na procura, “a família sofre, claro, principalmente nessa pesca à lagosta”, em que o produto “tem de ser exportado, tem de se vender a restaurantes”.

“Já telefonei a cinco ou seis, já lhes passei aviso. Eles têm razão, eles dizem ‘Oh, Francisco, para que é que eu vou comprar isso? A quem é que eu vou vender?’. Claro, os restaurantes estão todos fechados. Quem tem hipóteses de comer lagosta, vai comer hoje, porque compra, mas amanhã já não vai comprar, claro, porque não vai comer lagosta todos os dias, ‘né’?”, comenta.

O pescador diz que, naquele momento, há muita gente nas ruas de Rabo de Peixe, porque é preciso trabalhar. Porém, acrescenta, “tirando isso, daqui a pouco já estão despachados”.

Andando em direção a terra, a afirmação de Francisco Cabral verifica-se: “os cafés estão completamente fechados” e nas ruas circulam os homens que regressam do trabalho e as mulheres que vão às compras.

Numa das mercearias da vila, Cláudia Moreira, funcionária da loja, conta que, “no início, as pessoas pensavam que os minimercados e os supermercados iam fechar e que ia faltar mercadoria”. “Como o governo disse que isso não ia acontecer, então a gente tentou acalmar mais as pessoas a dizer que não era necessário comprar em exagero”, prossegue.

Com o passar do tempo, as famílias foram-se adaptando às novas regras: “Ainda se vê muita gente na rua, mas já se vê menos crianças. No início, via-se muitas crianças na rua. Custou a entrar na cabeça, mas agora já estão a cumprir”, conclui.

 

 

Lusa

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