Crónica | Arregacei as mangas… é Fringe por Diana Zimbron

Podia contar isto como um pequeno conto. Soaria algo como:

Era uma vez uma moça que queria ser escritora. Não somente escrever um livro. Não, ela queria ser a pessoa que escreve aquelas histórias, contos, mistérios, aventuras, romances,.. que nós lemos e com que nos deleitamos nas tardes de morneza ao sol, ou no conforto do vão da janela, naquela tarde chuvosa. Ou sob as telhas, no sótão desarrumado, mas acolhedor.

Pois bem, essa sonhadora começou como se começa, pelo princípio. Lendo. Depois começou a ensaiar voos na escrita, estendia as asas e distribuía cadernos, enquanto a sua letra também se ia alterando. Passou pela fase de datilografar numa máquina de escrever antiga, encontrada em casa da tia. Depois vieram os computadores, que facilitavam o trabalho. Conquanto um ou outro caderno sobrevivesse ainda, pois há poucos prazeres como o de ver as linhas deixadas pela caneta.

Os escritos iam passando de mão em mão. Um começo disto, três capítulos daquilo. Um texto livre, umas rimas para o jornal. As reações eram boas, ficava a curiosidade. Tomou coragem e terminou um romance, em jeito de descolagem experimental.

Foi aí que a história sofreu um pequeno revés. Provavelmente, um de muitos que se lhe seguirão!

Porque a vida é feita de marés, passou-lhe a vontade de partilhar o que escrevia e, se esse propósito já não se punha, para quê continuar de caneta em punho, preenchendo páginas e arrumando-as religiosamente? As dúvidas pendiam. Afinal que mundo era esse que chegara a ambicionar?

Deixemo-nos de contos, para que não restem dúvidas que foi nesse estado de espírito, que cruzei o meu caminho com a MiratecArts. Saí do espírito de conto de fadas, ao ver o trabalho, o investimento e o esforço por detrás de tanta partilha.

No primeiro Azores Fringe Festival que passei na ilha – e reforço: A Ilha – não me aproximei muito. Fiquei a observar a uma distância segura. A minha filha participou no programa com o grupo de hip-hop, e fomos ver algumas atuações aqui e ali. Começava a testar a temperatura. Veio, para casa, uma t-shirt para pintar. A mascote do Fringe. A t-shirt continua por lá, começa a ficar pequena e serve para marcar esse momento de descoberta.

No ano seguinte, participei no Encontro Pedras Negras. A sessão de abertura oficial, foi na Biblioteca da Madalena, na companhia de escritores que têm o seu lugar nas prateleiras da casa. Senti-me ignorante. Verdadeiramente ignorante.

Continuo a ser ignorante, não quero que imaginem que eu creio o contrário. Mas talvez agora seja menos. Um pouco menos. E sempre mais ignorante do que amanhã.

Esse mundo que eu queria sem conhecer, sem entender, sem sentir, podia agora voltar a ambicionar. Agora, com menos dúvidas. Um pouquinho menos.

Não tinha mais apenas uma visão romântica do artista, mas uma atitude proativa, de empenho.

Comecei a entender que quem se interessa procura. No entanto, dificilmente nos poderemos interessar se não soubermos que existe. E quem melhor nos valorizar do que nós? O meu conceito de identidade também já não era a mesma coisa. As minhas prioridades também já não eram as mesmas.

Arregacei as mangas.

Não seria mais tão ignorante, da próxima vez que nos reuníssemos! Li melhor. Peguei nessas revistas, li esses jornais, fui a esses encontros, ouvi essa gente. De repente, vi-me a fazer parcerias com artistas fantásticos. De repente, vi-me a escrever por encomenda. De repente… estava a gostar da minha voz.

Mundo estranho esse. Terry Costa, o fundador do Azores Fringe, sempre diz: cada um faz o que pode. E eu tive a oportunidade de dar algum contributo para este Fringe e para esta causa. No caso, com o “Dá-lhe Corda”, que faz parte do programa deste ano, dedicando as suas edições de junho aos colaboradores da área da escrita, da rede discoverazores.eu.

«Cada um faz o que pode»

E se outras pessoas se apaixonassem pela leitura como eu? E se empatizassem com temas que me são queridos? Arregacei ainda mais as mangas.

Tive a oportunidade de publicar um conto infantil de que me orgulho, muito pela beleza do produto final, ilustrado por um artista desta rede. Tive também a oportunidade de fazer um percurso que me permitiu escrever um conto de sensibilização ambiental, chamado «Ser da Montanha», detentor do Prémio de Escrita MiratecArts 2020.

Eu digo – porém a respeito de tudo e não especialmente sobre a nossa participação no mundo artístico – que, se todos fizermos a nossa parte, toca menos a cada um.

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