Seca em São Miguel: Imagem da desolação

agricultura-secaOs agricultores da zona Oeste de São Miguel desesperam por uma solução para a falta de alimentos para o gado. Quantificam em alguns milhares de euros os prejuízos da seca. O governo foi lento na resposta, diz Jorge Rita da Associação Agrícola.

 

 Não houve atraso nenhum, respondem Noé Rodrigues, do Governo que vai pagar os transportes dos alimentos para São Miguel. O facto é que só para a próxima semana é que os alimentos vão chegar. Quanto aos prejuízos causados pela seca nas vastas áreas de milho das Feteiras aos Ginetes, o Governo e a Associação Agrícola nada dizem.

 

 

A seca destruiu centenas de alqueires de sementeira de milho a cerca de 120 lavradores com explorações agrícolas no Oeste da ilha de São Miguel (mais de 600 cabeças de gado), entre Feteiras e a ponta dos Mosteiros. Há lavradores que semearam o milho duas vezes no mesmo terreno, com gastos duplos de sementes, adubos e sulfatos e não chegam a alugar equipamento para o corte dos milheiros que, além de não terem maçaroca, são demasiado pequenos.

A solução mais rentável é entrar, quanto antes, com as vacas milheiral adentro.

 

Alguns lavradores já foram contrair empréstimos ao banco para comprar mais ração e fardos de erva que, face à procura, tem subido de preço.
Por quase toda a ilha de São Miguel a rendibilidade do milho está a ser inferior este ano em relação a anos anteriores, mas é nas Feteiras, Candelária, Ginetes, Várzea e Mosteiros que a seca é mais devastadora.
O cenário é desolador e os lavradores ouvidos pelo Correio dos Açores estão em grande dificuldade.

 Os seus rostos não escondem algum desespero. Clamam por respostas rápidas do governo dos Açores e das associações agrícolas da ilha. Dizem que, quanto mais tempo passar, mais os prejuízos aumentam. Sublinham que ninguém fala com eles.
Já não é tempo de conversa e promessas, mas de acção para se minimizar os efeitos da seca nas explorações agrícolas, afirma um dos lavradores que pugna por uma maior proximidade das associações de produtores junto dos agricultores.

 

 

Governo nega atrasos

 

Nos últimos dias, as notícias dão conta que a Associação Agrícola de São Miguel está disposta a avançar com a importação de alimentos para o gado e que vai apresentar a factura ao governo. Entretanto, após mais de um mês sem tomar uma posição.
Os lavradores pugnam por soluções na hora. Alguns deles já estão a levantar dinheiro dos bancos para comprarem a comida para o gado no dia seguinte.

Ainda ontem confrontamos Jorge Rita com esta urgência e o dirigente associativo respondeu-nos: A solução já está encontrada e é a importação de alimentos que eles precisam. Só agora é que o governo dos Açores tomou uma posição, assumindo o pagamento do transporte dos alimentos para São Miguel, referiu.
Perante o comentário do jornalista de que os alimentos têm de chegar baratos às explorações, Rita deixa claro que milagres, ninguém os faz. Há alimentos baratos com pouca qualidade e há outros melhores. Vamos tentar encontrar alimentos que se adaptem à situação para que as vacas continuem a produzir leite.
Mas, o governo não deu uma resposta muito lenta? Sim, foi muito lenta a resposta do governo. Já em Junho e Julho tomámos conhecimento desta situação e enviamos uma cata ao secretário de Agricultura. Os serviços oficiais é que retardaram.
O secretário da Agricultura, Noé Rodrigues, não é da mesma opinião. Qual atraso? Não há atraso nenhum. Foi identificada a necessidade, foi feita uma reunião com a Associação Agrícola, foi decidido fazer um levantamento para operacionalizar o apoio. Ponto final.

 
E a situação em São Miguel não é como em Santa Maria, onde desde Janeiro que não chove. Só choveu uma vez em Junho.

São Miguel não está todo seco como está Santa Maria. Nem sequer se colocava a questão de começar a agir em São Miguel na altura em que se operacionalizou o apoio o transporte dos alimentos para a Graciosa e Santa Maria.

Os momentos foram diferentes, palavras do governante açoriano.
E quando chegam os alimentos a São Miguel? No final da próxima semana poderá já haver alimentos disponíveis, informa Jorge Rita.

A associação agrícola vai auscultar fornecedores no Continente português e Espanha e o transporte demora alguns dias.

Dentro de 15 dias haverá, certamente, mais alimentos disponíveis, assegurou.
E há a questão de que nós é que vamos fazer a importação, disponibilizar os alimentos aos agricultores que, depois nos vão pagar, elucida o Presidente da Associação Agrícola.
E perante a afirmação do jornalista de que a União Agrícola (cooperativa da associação) é um autêntico banco da lavoura micaelense, Jorge Rita nunca foi tão longe e tão claro na sua resposta. Sem dúvida, é um autêntico banco da lavoura que não cobra juros. Nós é que estamos a aguentar a crise do sector.

 

 

Drama dos agricultores

 

Luís Alberto Cordeiro é um agricultor respeitado nos Ginetes. Tem 55 vacas de leite 160 alqueires de terra, quase todos na zona onde a seca foi mais acentuada. Num pasto de 80 alqueires de erva, onde tirou o ano passado três silos de erva (ainda lá tem um), este ano nem tirou meio silo.

A dificuldade é tanta que se expôs a ficar na foto junto aos silos de erva para se ver a diferença e dimensionar o drama que começa a viver.
O ano passado, afirma, enchi cinco atrelados de erva por hora e, este ano, levei uma hora para encher um atrelado e não ficou bem cheio, afirma.
Há 22 anos que Luís Alberto Cordeiro não compra alimentos para as suas vacas. A sua exploração agrícola tem sido auto-suficiente mas, este ano, já começou a comprar alimentos.
Outro agricultor da mesma zona, António Aguiar, tem 60 vacas de leite e cerca de 80 cabeças de gado. Semeou esse ano cerca de 100 alqueires de milho, algum por duas vezes, praticamente todo devastado pela seca. Levou a equipa de reportagem a quase toda a sua exploração agrícola que tomou de renda.
Veja a miséria que está aí. Não temos ninguém que se importe por nós, afirma o agricultor. Aparecemos-lhe de surpresa quando guiava um velho tractor (que já não pega de arranque) por um caminho da sua exploração. Enquanto passa por entre o milho, gesticula constantemente, mostrando-se desolado pelo que lhe aconteceu e a falta de resposta das associações agrícolas e governo dos Açores.
Há 26 anos que tem a exploração agrícola arrendada e não tem memória de uma seca tão prolongada e tão grave. Descreve que dois técnicos visitaram a sua exploração mas foram-se embora sem dizer nada.
Já hoje vou à Caixa Agrícola levantar dinheiro para comprar comida para o gado. Isso nunca me aconteceu, sublinha o agricultor.

 

 

Não me lembro de uma coisa assim

 

A notícia de que a equipa de reportagem do Correio dos Açores estava nos Ginetes correu por alguns lavradores da freguesia e, minutos depois, dois dos agricultores mais afectados já nos esperavam.
Um deles, Emanuel Pavão Botelho, tem 75 vacas e, no total, 136 cabeças de gado. Na sua exploração agrícola nos Ginetes tem 140 alqueires de milho semeado e, nas suas palavras, nenhum deles presta .
E Emanuel Botelho não se ficou pelas palavras. Fez questão em levar o jornalista a cada uma das parcelas da sua exploração. Eu não sei onde é que a gente vai parar, afirma.
Estou nas vacas com o meu pai desde os quatro anos de idade e não me lembro de uma coisa destas, refere com alguma tristeza na voz.
O agricultor não contratou este ano a máquina para cortar o milho porque não compensa. Diz que, no estado em que está o milheiral, só 10 alqueires enche o atrelado, e depende muito do seu estado, refere.
Enquanto conversa, o filho de 11 anos acompanha-o. A certa altura, vira-se para ele: Hei homem, trás esta estaca. Não é precisa aí.
É outro dos agricultores dos Ginetes que nunca comprou comida para as suas vacas. Tem o número de cabeças de gado à dimensão da sua exploração agrícola mas, este ano, já.

 

 

 

 

João Paz

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